terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sabores

     "Doce". Há palavra mais doce, quando queremos qualificar algo agradável ou alguém gentil? Decerto que não. Está na boca do povo, é preferência nacional. Já ao desagrado, o chamamos de azedo, de salgado ou, pior, de amargo.
     Entre estas belas figuras de linguagem que enriquecem o nosso idioma, oculta-se um engano comum. Nem tudo que é doce é tão agradável, como nem tudo que diz respeito aos demais sabores causa desgosto. De fato, os doces são os preferidos de onze entre dez crianças, regra de rarississíssimas exceções. E é o instinto do Homem falando. Na natureza, onde o alimento era escasso, uma fonte tão rica de energia (os açúcares) não poderia jamais ser desprezada, e nosso organismo aprendeu isso muito bem. Aliás, o mesmo vale para gorduras e demais alimentos calóricos, o que explica porque tudo o que é gostoso faz mal ou engorda, como diz o velho ditado! Mas isso é outro assunto.
     No entanto, os doces nem sempre gozam da mesma popularidade entre os mais crescidinhos. É só reparar nas festinhas de suas crianças: enquanto a criançada se esbanja na mesa de doces (ou fica babando, enquanto o consumo ainda não foi liberado), os convidados adultos não tiram os olhos das coxinhas, os bolinhos de chuva e os demais salgados. Se fôssemos justos, então, um preço salgado talvez devesse ser o mais procurado pelos adultos, não o mais caro. Por outro lado, justiça seja feita, quem gostaria de ser definido como "sem sal"? Uma pessoa sem graça, sem gosto, que nem cheira nem fede, é o que quer dizer. Quer dizer, cheirar e feder já é invadir o reino de outros sentidos; atenhamo-nos ao paladar! Mas, afinal, pelo menos, reconhece-se algum valor no sal. Se bem que, pensando bem, sal, soldo, de onde vem soldado ou salário, são expressões diretamente relacionadas, no passado, com a utilização deste artigo - o sal - para a remuneração dos militares. Isso, quando a extração do sal era algo considerado árduo, poucos o conseguiam e, por conseguinte, este artigo ainda não havia deflacionado tanto. Talvez, naqueles tempos, "sem sal" fosse alguém liso. Quero dizer, liso, no sentido de duro. Ai, ai, lá vou eu, invadindo novamente o espaço de outros sentidos! Perdoem-me por esta breve confusão cinestésica! O que quero dizer é que, naqueles tempos, se havia esta expressão "sem sal", certamente designava alguém de recursos limitados, sem renda. Pobre, em outras palavras. Talvez, então - e isto é apenas uma suposição, sem nenhuma base científica -, ser "sem sal" tenha a ver com esta origem em que sê-lo era sem graça para quem gostaria de unir-se maritalmente com alguém mais "bem dotado". Sabe lá!
     E o amargor? Todos pensam no jiló, ou associam o amargo a este impopular vegetal que, pessoalmente, nunca tive o prazer ou desprazer de experimentar. Sobre este alimento, nada a declarar, portanto. Mas, que tal um cafezinho? Ou uma cervejinha? E o que você pensa do chocolate? Calma, tudo bem. O chocolate, no mais das vezes, é adoçado, é verdade. E o café, pela maioria das pessoas, também. Mas, e a cerveja? Principalmente a pilsen, que de doce não tem nada! E vou além! O chocolate já era sucesso absoluto em solos das américas, antes mesmo deste imenso continente ser conhecido por este nome. E não era adoçado, como, sem perder a popularidade, permaneceu por um tempo. E, tanto ele como o café ainda têm consumidores que adoçam pouco ou sequer adoçam. Você se surpreenderia, se passasse o dia em algumas boas cafeterias!
     O azedo, coitado! Um fato que azeda uma relação amorosa pode terminar levando um namoro ou casamento pelo ralo. Ou para o lixo, sem direito a reciclagem! Isso, porque o processo de fermentação que estraga os alimentos os deixa azedos, azeda-os. Entretanto, o azedume não tem que ser ruim. Que o digam os fãs da acerola, do limão, do morango, da coalhada, do abacaxi, das uvas roxas, etc e tal, só para ficar em exemplos. E, se aliado ao doce - olha ele de novo -, o azedo é ma ótima pedida! Na verdade, o simples inalar do cheiro de um alimento azedo conhecido tende a acelerar a salivação, mais do que de qualquer alimento seu predileto! Viva o azedo!
     Enfim, se mais ou se menos, não importa, realmente. O fato é que os sabores são magníficos, uma verdadeira delícia que precisa ser explorada. E a combinação dos sabores é como a combinação dos instrumentos de uma orquestra. Sei, sei, estou invadindo, novamente o terreno de outros sentidos. Mas que se dane! Talvez, mais que a predominância de um sabor sobre outro (o que é natural, e até positivo), o problema é a medida de cada sabor. O excesso ou a falta de sabor, aí, sim, é onde mora o problema! Sal demais numa refeição pode deixá-la intragável! Há um exame médico que usa uma grande dose de açúcares na forma líquida, cujo gosto termina por dar a muitos ânsia de vômito e outras sensações desagradáveis. Algo azedo demais, ou amargo demais, nada vai agradar! Isso, porque, além dos sabores, não falei de sensações complementares, como a refrescância da menta ou a picância da pimenta... Tudo demais pode ser ruim, mas na medida certa, é banquete garantido!

Pablo de Araújo Gomes, 13 de Janeiro de 2010

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Pablo de Araújo Gomes