quinta-feira, 25 de junho de 2009

Sábado à Noite (ou A Longa Saga do Buraco Assassino Numa Rodovia Estadual na Paraíba)

          Cara, acho que isso não é uma crônica. Talvez nem mesmo seja literatura. Eu o definiria sendo algo como um muito-longo-e-pirado-depoimento-de-gosto-duvidoso-sobre-uma-aventura-acontecida-no-último-sábado-à-noite, resumindo. Lá vai:
          Certamente, você já ouviu aquela música (ao que me parece, composta por Lulu Santos), que fez um baita sucesso anos atrás, na voz de Toni Garrido e sua Cidade Negra. Sim, refiro-me à música "Sábado à Noite", título comum ao desta humilde crônica que ouso escrever. É até bem verdade quando ela diz que "todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite", mas a verdade é que ninguém esperaria o que aconteceu na noite do meu último sábado (melhor dizendo, espero que não o último da minha vida, mas até o presente momento).
          Comecemos um pouco antes do acontecido. Na sexta-feira, ficamos sabendo de certo evento, uma festa numa fazenda, no sábado, a que fomos convidados. Caaporã, PB, divisa com PE, não é de todo longe de Recife. Em boa e clara verdade, é logo ali. Não à toa, o que mais se encontra no verão de Pitimbu (o município seguinte, indo ao norte) são os recifences. O que isso tem a ver? Leia, e verá.
 Falava-lhe do convite, não? Pois sim, que seja. Ainda que dado o tiro à queima-roupa, planejamos ir à festa em tal fazenda no sábado à noite, e depois passar lá o domingo, para uma feijoada e para ver o jogo da sofrível seleção de Dunga. E fomos que fomos.
          A festa, à noite, foi muito boa. Bem, eu não sei bem, porque estava tomando conta da minha filha, e não deu para curtir muito. Mas minha filha adorou! Por isso, o objetivo de minha ida já estava satisfeito. E toda a minha família também gostou muito, o que significa que não foi nada má a festa. Ótimo! Até aqui, uma história ordinária, não? Pois, então, vamos dormir. Alguém teve a infeliz idéia de pernoitar em nossa casa em Praia Azul (distrito de Pitimbu, PB - não disse que a informação seria importante?), ao desconfiar que nos faltariam leitos na própria fazenda. Assim fizemos.
          Logo após a saída da fazenda, tendo atravessado a zona urbana da pequena Caaporã numa rodovia estadual, nos deparamos com um buraco assassino. Sim, um buraco assassino. O sopapo que o carro levou foi grande, assustando toda tripulação e passageiros (meu pai dirigindo, minha mãe exercendo o papel de co-piloto sonolento, e eu e minha filhota brincando no banco de trás). Numa fração de segundos, passamos por um carro encostado à nossa direita, e jovens fazendo algum tipo de sinal para nós, que não entendemos.
          Tudo bem, não entendemos até passar mais um segundo ou dois, quando tivemos também que encostar à direita. O tal buraco assassino nos havia condenado à morte nossos dois pneus esquerdos. Sim, os dois, o da frente e o de trás. Os jovens do carro de trás vieram empurrando o seu Palio na nossa direção. Logo, encostava, à nossa frente, o Gol do meu tio, único veículo incólume do cenário.
          "Boa noite!", disseram os jovens, enquanto pegávamos os macacos de nosso Ka e do Gol do meu tio. "Boa noite!", respondemos. "Os dois, também?", ao que respondemos, surpresos, "O de vocês, também estourou os dois?", "Foi, vocês querem ajuda?". "Muita gentileza", dissemos, "mas, e vocês?". "Estamos esperando uns amigos com um estepe extra".
          Pois bem, tirar o pneu, tão seguramente preso pelo borracheiro, não estava uma tarefa fácil, e resolvemos aceitar a ajuda. Enquanto mosquitos, muriçocas, pernilongos e quaiquer outros insetos voadores nos chupavam vorazmente, com mordidas bastante doloridas para o usual, tentávamos nos concentrar na dura missão de fazer sair os pneus. Tiramo-nos, enfim, e tenho certeza de que, se fossem dotados os pneus de sangue, teriam sido levados dali por aqueles vampiros minúsculos que nos chupavam o sossego.
          Você me vê a tecer queixas sobre mosquitos, e deve estar pensando que sou muito fresco. Diga, se não estava pensando nisso! Se não, agora está. Pois saiba que está redondamente enganado(a), caro(a) leitor(a). O meu quarto é um autêntico criadoudo de mosquitos, uma espécie de reserva ecológica involuntária, onde eu mato dez ou quinze por noite, mas nunca me livro delas. Outro dia, acordei e elas tentavam me jogar da janela, acredite-me! Em tempos de muita chuva, acordo pensando que tenho sarampo ou outra enfermidade que nos encha de pontos vermelhos ou caroços, mas depois descubro que se trata apenas de mordidas de muriçocas. Burro, eu? Não. É que o nem o repelente dá conta. E se a isso já estou acostumado, imagine-se em meu lugar, querendo me queixar de chupadas mosquitais.
          Mas, voltemos à nossa história. Enquanto eu pensava que, se eu fosse um sapo, não passaria fome por lá, nos deparávamos com a decisão de escolher onde colocar o nossa roda sobressalente. Calma, não é nada disso que você está pensando. A dúvida era se deveríamos, com o estepe, substituir a roda esquerda dianteira ou se a roda esquerda traseira. A resposta óbvia, claro, é a dianteira, já que seria inviável guiar o carro com um pneu dianteiro murcho. Mas o que faríamos atrás? Adotando a filosofia do "se colar, colou", testamos o estepe do gol, claramente maior e inadequado para nosso pequeno Ka 2000. Preciso dizer que nem entrou? Um é Ford e o outro é Volkswagen: um caso de incompatibilidade digno de um casamento.
          Chegou o socorro dos nosso amigos do Palio, e eles foram cuidar de suas vidas. É justo. Minha mãe foi no carro da minha tia, levando no colo minha pequena herdeira, e me deixando lá, onde seria, certamente, necessário. Cedendo o lugar para elas, ficou nosso amigo Sid, namorado de minha prima e, dada a força de nossos laços familiares, meu "cunhado".





          Devolvemos um dos pneus estourados, o que julgávamos mais destruído, para o carro ter, novamente, quatro rodas. Pensávamos estar preservando o outro, em melhor estado, para uma mais fácil recuperação, no dia seguinte.
          Na hora de ligar o carro, fizemos mais uma boa descoberta. Cadê a bateria? Ah! ela continuava lá, claro. Mas descarregada. Lá fomos nós a empurrar o nosso veículo ex-automotor, para ver se pegava. Mais de trezentos metros depois, chegamos à conclusão de que nossa musculatura extenuada era incapaz de levar tal projeto adiante, pelo menos não subindo aquela ladeira. Os relógios ingratos já contavam mais de quatro horas da manhã, o que fazia significar que já se superara a barreira das duas horas, desde o início do perrengue, lá no buraco. Peguei o triângulo, o entreguei a meu pai, e me certifiquei de que o freio de mão já estava bem puxado. Ficamos esperando o meu tio voltar com uma corda para nos rebocar.
          Já anêmicos, talvez mais pelos insetos do que pelo esforço, procuramos algum lanche ou água, dentro do carro escuro. Não encontramos. Logo, parou um carro, com um gentil senhor, muito bêbado, no volante.
          "Vocês precisam de ajuda?", "Obrigado, mas já estamos esperando alguém.". "Mas diga", insistiu o senhor, "diga alguma coisa, que eu faço por vocês. Fala aí, que eu faço!". Por um instante, pensei que pudesse ser alguma espécie de gênio da lâmpada, mas gênios da lâmpada não dirigem um Civic, pensei logo após. Na verdade, era apenas um senhor solícito e gentil, que em muito poderia nos ajudar se não estivesse tão bêbado. "Mas o que houve com vocês?", perguntou um jovem adolescente ao lado do motorista. "Cala a boca, Filipe!" e, para nós, "O que é que aconteceu com vocês", e respondemos, vagamente, que um buraco estourara nossos dois pneus esquerdos, mas já estávamos esperando ajuda. "Foi lá na saída de Caaporã?" Perguntou o simpático jovem. "Para de falar, Filipe! Foi saindo de Caaporã, foi?", "Foi, num buraco lá na saída. Nós e um pessoal num Palio". "Nós também acabamos de trocar os dois pne..." e, novamente, "Cala a boca, Filipe! Nós acabamos de estourar dois pneus lá. Ainda bem que eu ando com dois estepes. Mas, não é melhor vocês ligarem o pisca alerta, não?". "Não dá, porque a bateria do carro arriou", respondemos. "E o que é que eu posso fazer por vocês?", ofereceu, novamente, o senhor. "Nada, não, obrigado".
          Bem, chega! Eu vou resumir o resto da conversa, pq já está enchendo o saco. Depois de alguns "Cala a boca, Filipe!" e outros "Mas me diga, o que é que ou posso fazer para ajudar?", finalmente os convencemos, gentilmente, que o melhor favor que nos fariam era ir para casa, para dormir em paz, enquanto nós e os mosquitos esperávamos tranquilamente, sob as estrelas, a chegada da nossa ajuda oficial.
          Ufa! Depois de mais um tempo, finalmente chegou o meu tio, dizendo que cochilara no caminho, e foi salvo por um trecho esburacado, que lhe dera um susto logo antes de ele passar direto numa curva. Dirigir, sem ter dormido nada desde o início do dia, às quatro e poucas da madrugada é um bocado arriscado, especialmente se você costuma acordar às cinco da manhã. Acordando do buraco salvador para nós, vítimas do buraco assassino, ele teve uma epifania. Para que arrastar um carro por mais uns treze, quatorze quilômetros, se poderíamos deixar o carro num posto, em menos de três quilômetros voltando para Caaporã?
          Tá, tudo bem. Fazia todo o sentido do mundo. Mas e todo o trabalho que tivemos para carregá-lo até ali, não contava? Claro que não! Empurramos o carro, para manobrá-lo, e demos meia-volta. Vendo que desceríamos uma boa ladeira, resolvemos tentar acionar a bateria quando atingíssemos certa velocidade. Funcionou, mas ainda estávamos com um pneu a menos, e, tendo o cuidado de nos resguardarmos do buraco assassino, deixamos o carro no tal posto. Passando nossa bagagem para o carro do meu tio, encontrei, finalmente, dois squeezes com meio litro de água, cada, e uma sacola com biscoitos e outros pequenos lanches. Mas, cadê Sid? Ah, lá vem ele, vindo da loja de conveniência, com alguns pacotes de biscoito e água mineral.
          Bem, ajoelhou, tem que rezar! Comemos e bebemos dos recém-comprados. Protegendo-nos mais uma vez do perigoso buraco, passamos, com a nada sutil sensação de que aqueles outros carros por ali parados eram novas vítimas. Estávamos debilitados demais para parar e ajudar. Fomo-nos embora.
          Pensa que acabou por aqui? Nana, nina, não!





          Alguns quilômetros mais tarde, passamos por algo que mais me pareceu uma cana bem grossa, jogada no meio da estrada. Como estávamos entre plantações de cana, não me pareceu muito estranho, poderia ter caído de algum caminhão. Mas Sid, imediatamente, ao ver a cana, afirmou: "é uma jibóia"! Sem nenhum esforço, convenceu meu tio, seu sogrão, a fazer a volta e parar de frente para a cobra. Meu tio, carro atravessado no meio da estrada, pôs farol alto, e Sid desceu do carro. Andando lentamente, ele a agarrou pelo pescoço e rabo. Parecia ser uma filhote, pois tinha apenas algo como um metro e meio. Meu pai abriu a porta do carro e, logo que Sid entrou, fechou a porta.
          Fizemos novamente a volta, e seguimos nosso rumo, admirados com aquela criatura, e com a prática de nosso amigo com cobras. ^^
          Por um bom par de quilômetros, ficamos nos perguntando o que faríamos com aquela cobra. Certamente, não dava para dar de presente à minha filha, de três anos, ou meu priminho de um e meio. E nem creio que o IBAMA aprovaria se resolvêssemos fazer qualquer outra coisa menos perigosa com ela, apesar de que eu duvido que fôssemos ser fiscalizados.
          Passando por um cemitério no meio do mato, já dentro de Pitimbu, resolvemos deixar a cobra em seu habitat natural. As câmeras de nossos celulares não foram capazes de registrar este momento, apesar de que já despontava o sol, entre as nuvens de junho, no horizonte. Em cerca de quinze minutos, eu acho, já estávamos chegando à nossa casa, pensando em quão louca havia sido aquela noite, e quase sentindo falta dos mosquitos chupadores. Ah! E decididos a fundar a ASSMOQPEDOPENOMEBARESC - Associação dos Motoristas que Perderam os Dois Pneus Esquerdos No Mesmo Buraco Assassino da Rodovia Estadual na Saída de Caaporã, ou coisa que o valha. Pena que ainda não conseguimos contactar nenhum entre as muitas outras vítimas do Buraco Assassino!

ENFIM, FIM!


Epílogo:
          Peraí, tem mais:
          Com menos de três horas depois que eu capotei na cama, minha filha me acordou para tirar-lhe o pijama (na verdade, acho que, como ela foi dormindo para lá, ela estava ainda com o vestidinho de matuta), a fralda, e lhe fazer o café-da-manhã. Dei graças a Deus por minha mãe ter assumido a situação, porque, se não me lembro de que roupa ela usava, e do momento em que tirei sua fralda, acho que fiz tudo no piloto automático.
          Depois, no posto onde deixáramos o carro, fomos pegá-lo, e levá-lo a um borracheiro lá próximo. Fiquei conversando com uma garota, no posto, e temos trocado mensagens de celular desde este domingo. Penso em ir vê-la, quando for visitar o Buraco Assassino. Mas acho que logo poderei superar a Síndrome de Estocolmo, e poderei dar mais exclusividade a ela.

Pablo de Araújo Gomes, 25 de junho de 2009

Um comentário:

  1. Há trechos em que penso que você já escreveu melhor, Pablo. Mas ninguém pode negar que a história é boa, e que você tem uma habilidade toda especial para falar de mosquitos. LOL! ^^
    Adoooru!

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Sua sinceridade é o meu maior trunfo! Então comentem com vontade. A moderação dos comentários objetiva, apenas, garantir que eu não fique sem os ler, um por um! Obrigado!
Pablo de Araújo Gomes