sábado, 28 de julho de 2012

O Inferno de Cada Um - III

Só se via um campo seco e arenoso, e um horizonte mais distante do que se esperaria. Tudo lhe dava a mais absoluta certeza de que ela estava só, e não havia nada nada em sua volta capaz de se mover por conta própria, além do vento que insistia em soprar.

Caminhava só, e completamente só seguia sua caminhada, sob um sol forte, alto, intensamente quente, que fazia questão de exibir o longo e deserto descampado que a cercava. Seu vestido inflava-se ao vento quente e seco, que insistia em invadir seus olhos, boca, narinas e orelhas com grãos de uma areia grossa. Silêncio.

Era quente, e no entanto ela sentia frio. Não pelo vento, que parecia torrar sua pele. Nada a confortava. O açoite do vento era sua menor preocupação ou o sol, ou mesmo o seu frio. Afligia-a aquele sangue que escorria por suas mãos, um sangue quente, fresco que não coagulava jamais.

Ela pensava no que poderia tê-la levado àquele lugar, o que a teria posto naquele estado. Ela sabia, mas não podia crer. Há quanto tempo caminhava a esmo? Quanto mais caminharia até encontrar uma viva alma. O sol não se punha nunca, sequer saía do lugar. Sim, ele queria mostrar que ela estava só, tudo a sua volta lhe dizia isso. Estava farta disso, não suportava estar só. Nunca suportara.

Olhou para trás. No chão batido, somente as suas pegadas, acompanhadas, vez ou outra, por um caminho sutil de sangue que não cessava de escorrer por suas mãos. Sentou-se. Não sentia suas mãos. O chão, rijo e seco não lhe dava conforto. Nada lhe dava conforto. Ela estava só.

Olhou seus pulsos, e quis chorar, mas não conseguiu. Feridos, abertos, irremediavelmente cortados. Ela conseguira. Mas, e daí?

Tentava justificar sua atitude: perdera a mãe no parto, mal conhecera o ocupado e ausente pai por toda vida. Foi uma criança só e difícil de lidar. Jovem e bela, casou-se sem amor com qualquer um, para aplacar a solidão, e ele não a suportou. Cedo, viu seus filhos morrerem, seu marido a abandonou sem prévio aviso ou posterior justificativa. Viveu só, desde então, naquela casa enorme, e jamais suportaria aquilo. Sem dinheiro, nem mais pôde manter as criadas. Era solidão além de suas forças. Era dor acima de sua tolerância. Suportara por anos, até não mais poder. Pais, parentes, a sociedade, todos pareciam tê-la condenado à solidão, e ela não nascera para viver sem mais ninguém. Mas não procurara sair da casca em que se enclausurara, antes optara por fechar-se ainda mais. Não poderia ter dado certo. No fundo, sabia que ela era quem afastava todos de si, mas mudar-se a si era mais do que estava disposta a fazer, devia haver algum caminho mais fácil.

Por isso, cortou os pulsos: para pôr fim ao seu sofrimento, para findar sua solidão. Assim, perdeu as forças, pouco a pouco, no meio da sala. Assim, começou a sentir aquele frio, a não sentir suas mãos. Assim, acordara confusa, perdida, sem nada mais ver, além de chão, sem nada mais ouvir além dos próprios passos, que não ousavam ecoar, para não lhe dar o prazer de sentir-se acompanhada. Em seu íntimo, sabia que só lhe restara a solidão. Nada mais.

Por ser só, condenara-se à solidão. Começava a entender que fugir somente a poderia ter afastado, jamais aproximado.

Pablo de Araújo Gomes, julho de 2012

Um comentário:

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Pablo de Araújo Gomes